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sábado, 22 de novembro de 2008

crônica...

- Vai, Horácio! Toma logo!
- Eu não tomo nada sem antes ler a bula. Cadê meus óculos?
- Pendurados no seu pescoço.
- Isso é ridículo, Maria Helena. Ridículo!
- Então todos os homens da sua idade são ridículos, porque todos estão tomando. E não me puxa esse lençol, fazendo o favor. Olha aí o bololô que você me faz nas cobertas.
- A humanidade conseguiu crescer e se multiplicar durante milênios sem isso. Nós dois crescemos e nos multiplicamos sem isso. Taí o Pedro Paulo, taí o Zé Augusto que não me deixam mentir. Fora aquele aborto que você fez.
- Horácio, eu não vou discutir isso com você agora. Toma logo esse negócio!
- Isso aqui faz mal pro coração, sabia? Um monte de gente já morreu tentando dar uma trepadinha farmacêutica.
- Foi por uma boa causa. E não faz mal coisa nenhuma. Só pra quem é cardíaco e toma remédio. Você não é cardíaco, nem coração você tem mais.
- Não começa, Maria Helena, não começa!
- Pode ficar sossegado que você não vai morrer do coração por causa dessa pilulinha. Eu vi num programa da GNT um velhinho de 92 anos que toma isso todo dia.
- Sério?
- Preciso de sexo, Horácio!
- Mas hoje é segunda, Maria Helena...
- Quero trepar. Foder. Ser comida por um macho de pau duro!
- Francamente, Maria Helena, que boca! Parece que saiu da zona.
- Quero ser penetrada, quero gozar!
- O sexo é uma ditadura, Maria Helena. A gente tá na idade de se livrar dela.
- Saudades da dita dura! Olha só, você me fez fazer um trocadilho de merda.
- Além do mais, Maria Helena, nós já tivemos um número mais do que suficiente de relações sexuais na vida, por qualquer padrão de referência, nacional ou estrangeiro. A quantidade de esperma que eu já gastei nesses anos todos com você, dava pra encher a piscina aqui do prédio.
- Com o esperma que você ordenhou manualmente, talvez. O que o senhor gastou comigo não daria nem pra encher um balde daqui de casa. Um penico, talvez. Até a metade.
- Maria Helena...
- E faz quase um ano que não pinga uma gota lá dentro!
- Sossega o facho, mulher. Vai fazer ioga, tai chi chuan. Já ouviu falar em feng shui, bonsai, shiatsu? Arranja um cachorro. Quer um cachorro? Um salsichinha?
- Quero um salsichão, Horácio! Olha aí: outra piadinha infame.
- É porque você está com idéia fixa nessa porcaria.
- Que porcaria?
- O sexo, Maria Helena, o sexo.
- Sabe o que mais que deu naquele programa sobre sexo, Horácio?
- Não estou interessado.
- Deu que as mulheres com vida sexual ativa têm muito menos chance de ter câncer. É científico.
- Come brócolis que é a mesma coisa, Maria Helena. Protege contra tudo que é câncer. Também é científico, sabia? E com azeite, com alho, fica uma delícia!
- A que ponto chegamos, Horácio! Eu falando de sexo e você me vem com brócolis com azeite!
- E com alho.
- Faça-me o favor, Horácio!
- Maria Helena, escuta aqui, você já tem 50 anos, minha filha, dois filhos adultos, já tirou um ovário, já...
- Não fiz 50 ainda! Não vem não! E o que é que filho e ovário têm a ver com sexo?
- Maria Helena, me escuta! Depois de uma certa idade, as mulheres não precisam mais de sexo.
- Ah, não? Quem decidiu isso?
- Sexo nessa idade é pras imaturas, pras deslumbradas, pras iludidas que não sabem envelhecer com dignidade.
- Prefiro envelhecer com orgasmos.
- O que é que Freud não diria de você, Maria Helena?
- E de você, então, Horácio? No mínimo que você virou gay depois de velho, seu Boiola!
- Maria Helena! Faça-me o favor! Eu tenho que ouvir isso na minha própria casa, na minha própria cama, diante da minha própria televisão?
- Aliás, gay gosta de trepar! É o que eles mais gostam de fazer. Você virou outra coisa, sei lá o quê! Um pingüim de geladeira, talvez.
- Maria Helena, dá um tempo, tá? Tenho mais o que fazer.
- Fazer? Essa é boa. O que é que um funcionário público aposentado com salário integral tem pra fazer na vida, posso saber?
- Sem comentários, Maria Helena, sem comentários!
- Tá bom, sem comentários! Bota os óculos e lê duma vez essa bendita bula.
- Só que precisa de dois óculos pra ler isso. Olha só o tamaninho da letra. Se é um negócio pra velho, deviam botar uma letra bem grande. Pelo menos isso!
- Vira o foco do abajur para cá! Assim... melhorou?
- Abaixa essa televisão também! Não consigo me concentrar ouvindo novela. Mais... mais um pouco!
- Pronto, patrãozinho. Sem som. Vai, lê duma vez!
- O princípio ativo do medicamento é o citrato de sildenafil.
- Sei...
- Veículos excipientes: celulose microcristalina...
- Celulose vem da madeira. Pau, portanto. Bom sinal.
- Onde foi parar a sua pouca educação, Maria Helena?
- Vai lendo, Horácio! Depois conversamos sobre minha pouca educação.
- Cros... camelose sádica. Croscamelose. Castrepa, Maria Helena! Recuso-me a tomar um troço com esse nome. Deve ser alguma secreção de camelo. Se não for coisa pior.
- Não é camelose! Num tá vendo aí? É caRmelose. Deve ser algum adoçante artificial pro seu pau ficar doce, meu bem...
- Putz! Só rindo mesmo. A menopausa acabou com sua lucidez, Maria Helena!
- Troco toda lucidez do mundo por um pau tinindo de tesão por mim!
- Absurdo, absurdo!
- Que mais, que mais, Horácio?
- Dióxido de titânio.
- Ah, titânio! Pro negócio ficar bem duro!
- ...índigo carmim...
- Índigo? Deve ser o que dá a cor azul da pilulinha.
- Será que esse negócio não vai deixar o meu pau azul, Maria Helena?
- E daí, se deixar? Você não sai por aí exibindo seu pênis, que eu saiba. Ou sai?
- Mas, e se eu for a um mictório público? O que é que o cara ao lado vai pensar do meu pinto azul?
- Diz que você é um alienígena, ora bolas! Que seu corpo está pouco a pouco se adaptando à terra, que ainda faltam alguns detalhes, ou explica que você é nobre, de sangue e pinto azul, ou não diz nada, ora bolas! Acaba de mijar, guarda o pinto azul e vai embora, pô!
- Escuta! Agora vem a parte que explica como esse petardo funciona.
- Isso. Quero ver esse petardo funcionando direitinho.
- Presta atenção: "O óxido nítrico, responsável pela ereção do pênis, ativa a enzima guanilato ciclase que, por sua vez, induz um aumento dos níveis de monofosfato de guanosina cíclico, produzindo relaxamento da musculatura lisa dos corpos cavernosos do pênis, permitindo, assim, o influxo de sangue". Cacete! Corpos cavernosos? Já pensou, Maria Helena? Corpos cavernosos sendo inundados de sangue? Puro Zé do Caixão.
- Corpo cavernoso só pode ser herança do homem das cavernas. Vocês homens evoluem muito lentamente.
- Pára de viajar, Maria Helena! Parece que fumou maconha.
- Não é má idéia pra relaxar! Vou roubar do Pedro Paulo. Eu sei onde ele esconde. Podíamos fumar juntos.
- Eu já tô relaxado. Tô até com sono, pra falar a verdade...
- Lê, lê, lê, lê aí! Você já dormiu tudo que tinha direito nessa vida!
- Vou ler. "Todavia, o sildenafil não exerce efeito relaxante diretamente sobre os corpos cavernosos..."
- Não?
- Não, Maria Helena. Ele apenas "aumenta o efeito relaxante do óxido nítrico através da inibição da fosfodiesterase-5, a qual" - veja bem, Maria Helena, veja bem - "a qual é a responsável, pela degradação do monofosfato de guanosina cíclico no corpo cavernoso?". Ouviu isso? Degradação, Maria Helena! Dentro dos meus próprios corpos cavernosos... Degradante...
- Degradante é seu pau mole!
- Olha o nível, Maria Helena, olha o nível! Vamos ver os efeitos colaterais. Olha lá: "dor de cabeça". Você sabe muito bem que se tem uma coisa que eu não suporto na vida é dor de cabeça.
- Na cultura judaico-cristã é assim mesmo, Horácio! Pra cabeça de baixo gozar, a de cima tem que padecer!
- Não me venha com essa sua erudição de internet, Maria Helena! Estamos off-line!
- Deixa de ser criança, Horácio! Se der dor de cabeça, você toma um Tylenol, reza uma Ave-Maria, canta o "Hava Naguila" que passa!
- Outro efeito colateral: "rubor". Rá, rá. Vou ficar com cara de quê, Maria Helena? De camarão no espeto?
- Se for camarão com espeto, tá ótimo! Que mais, que mais?
- "Enjôos". Ó céus. Enjôos...
- Você sempre foi um tipo enjoado, Horácio! Ninguém vai notar a diferença.
- Vamos ver o que mais... hum... "dispepsia". Que lindo! Vou trepar arrotando na sua cara!
- Você me come por trás. Arrota na minha nuca...
- É brincadeira! É essa a sua idéia de amor, Maria Helena?
- Isso não tem nada a ver com amor, Horácio! Já disse! É profilaxia contra o câncer. E arrotar, você já arrota mesmo o dia inteiro, sem a menor cerimônia. Na mesa, na sala, em qualquer lugar.
- Como se você não arrotasse, Maria Helena!
- Mas não fico trombeteando os meus arrotos. Isso é coisa de machão broxa. Em vez de trepar com a esposa, fica arrotando alto pra se sentir o cara do pedaço.
- Como você é simplória, Maria Helena! Como você é... menor. Desculpe-me, mas acho que seu cérebro anda encolhendo, sabia? Ou mofando. Ou as duas coisas.
- Vai, Horácio, chega de conversa mole! E de pau idem. Pula os efeitos colaterais.
- Como, "pula os efeitos colaterais"? É porque não é você quem vai tomar essa meleca, né? Vou ler até o fim. Os efeitos colaterais são a parte mais importante. Olha lá: "gases". Que é que tá rindo aí?
- Do efeito cu-lateral. Desculpe-me. Esse foi de propósito. Não agüentei.
- Admiro seu humor refinado, Maria Helena! Torna você uma mulher tão mais sedutora, sabia?
- Obrigada, Horácio! Agora, quanto aos seus gases, pode relaxar o esfíncter, meu filho, numa boa. Tô tão acostumada que até sinto falta quando estou sozinha. Sério! Fico pensando: - Ah, se o Horácio estivesse aqui, agora, pra soltar uma bufa de feijoada com cerveja na minha cara...
- Maria Helena, qualquer dia você vai ganhar o Oscar da vulgaridade universal.
- Vou dedicá-lo a você.
- Vamos ver que mais temos aqui em matéria de efeitos colaterais. Ah! "congestão nasal". Que gracinha! Vou ficar fanho, que nem o Donald. Qüém, qüém, qüém!
- Um pateta com voz de pato. Perfeito! Ridículo! Absurdo! Idiota!
- Ridículo você já é, Horácio! E quem não é? Além do mais, é só calar a boca que você não fica fanho.
- Ah, tá! E se eu quiser falar alguma coisa na hora?
- Você não diz nada de interessante há mais de dez anos, Horácio! Vai dizer justo na hora de trepar?
- Eu não nasci para dizer coisas interessantes a você, Maria Helena!
- Hum. Ouve só; "diarréia" - Quê? É outro efeito colateral dessa bomba aqui. Fala sério, Maria Helena! Isto aqui é um veneno! Não sei como vendem sem receita.
- Deixa de ser pueril, Horácio! Imagina se alguém vai ter todos os efeitos colaterais ao mesmo tempo! No máximo um ou dois.
- A caganeira e os arrotos, por exemplo? Ou a ânsia de vômito e os gases?
- Faz um cocozinho antes, pra esvaziar! Agora, Horácio! Eu espero.
- Eu não estou com vontade de fazer cocozinho nenhum, Maria Helena! Faça-me o favor! E olha aqui, mais um efeito colateral: "visão turva".
- Você bota seus óculos de leitura. E que tanto você quer ver que já não viu?
- Maria Helena, você não entendeu? Essa droga perturba seriamente a visão. Vou ficar cego por sei lá quantas horas, quantos dias! E tudo por causa de uma reles trepadinha? E se a minha visão não voltar? Vou andar de bengala branca pro resto da vida?
- Pode deixar que eu guio sua bengala, Horácio! Olha, pensa no lado bom da cegueira: você vai poder me imaginar 20 anos mais moça, trinta, se quiser!
- Maria Helena, desisto! Não vou tomar essa porcaria e tá acabado!
- Dá aqui essa cartela, Horácio! Abra a boca! Beba a água! Engula! Pronto! Isso! Que foi? Engasgou, amor?! Tosse pra lá, ô! Me molhou toda! Que nojo! Quer que bata nas suas costas? Ai, meu Deus, Horácio! Você está bem?
- Respire fundo! Isso, isso... E aí, amor? Melhorou? Morrer afogado num copo d'água ia ser idiota demais, até prum cara como você.
- Arrr! E com essa pílula monstruosa entalada na garganta! Ufff! Me dá mais água!
- Quanto tempo isso aí demora pra fazer efeito?
- Isso aí o quê?
- A pílula, Horácio, a pílula!
- E eu sei lá!?
- Vê na bula, Horácio!
- Hum... tá aqui: "30 minutos".
- Ótimo! Dá tempo de ver o fim da minha novela.

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